• Diretor de Redação Ulysses Serra Netto

Geral

'Esquecer foi a forma de tentar me livrar do passado', diz vítima de abuso sexual na infância

Em alusão ao mês Maio Laranja, duas irmãs relatam sobre a violência sexual praticada pelo avôdrasto

Quarta-feira, 29 Maio de 2024 - 13:00 | Marina Romualdo


'Esquecer foi a forma de tentar me livrar do passado', diz vítima de abuso sexual na infância
A cartinha feita por Djuly contando os abusos sexuais foi deixada dentro dessa malinha quando tinha 16 anos (Foto: Luiz Alberto)

Em alusão ao mês maio laranja, as irmãs, Djuly Almeida Zuiewskiy de 26 anos e, Keytt Raquell Zuiewskiy de 24 anos, resolveram contar a história da vida delas ao Diário Digital. O objetivo das irmãs é alertar os pais sobre a violência sexual praticados contra crianças e adolescentes com próprios parentes dentro de casa e até mesmo com desconhecidos.

"Tenho apenas flashes de quando eu era pequena. Não tenho memória dos meus 6 aos 10 anos. Me lembro que aconteciam os abusos nos mesmos lugares, do que ele fazia e falava para não contar. Acho que esquecer foi uma forma de tentar me livrar do que aconteceu comigo no passado". Esse é relato da Djuly que foi abusada sexualmente pelo avôdrasto, Walter Aparecido Neves, mais conhecido como "Cabeça", no município de Aquidauana.

Além dela, a irmã mais nova, Keytt, relatou que em um dois depoimentos de uma tia durante o interrogatório da polícia, foi narrado de que quando ela era bebê os abusos já existia. "Quando eu era de colo, minha tia me viu sentada no colo dele e Walter estava com o pênis para fora. Então, vem bem antes das minhas próprias memórias que é entre aos 3 e 4 anos. Aconteciam muitas coisas, ele me aliciava, abusava sexualmente de mim. Era sempre no quarto de fora da casa minha avó".

Segundo Keytt, ela não teria tido forças para contar sobre os estupros para mãe se não fosse a irmã mais velha escrever uma carta. Durante um período no internato, Djuly escreveu um relato e o guardou em casa. "Escrevi uma carta no ensino médio quando tinha 16 anos. Estava no internado e ia ter uma ação para queimar as coisas do passado para sair de lá uma pessoa nova, porém, eu não tive coragem de queimar e guardei em uma malinha. Porém, a Keytt foi mexer nas minhas coisas e achou a cartinha escondida".

Vítimas de abuso querem se livrar do passado
As irmãs quando eram pequenas e o irmão, que atualmente mora em outro estado (Foto: Luiz Alberto)

Já quando a irmã mais nova leu e descobriu que tudo que viveu, a irmã também passou teve forças para contar durante uma conversa que teve com o namorado na época. "Ele começou a falar tão bem da infância dele, contar como amava a família dele e eu comecei a chorar. Ele sem entender o que estava acontecendo, eu contei o que tinha ocorrido comigo e minha irmã. Neste momento, ele disse que eu tinha que contar para minha mãe, pois, se eu não contasse, ele contaria. Com isso, cheguei em casa e contei para minha mãe e ela acreditou no meu relato pelo fato dela também ter sido vítima do abusador. Ela [mãe] entrou em desespero e começou a ligar para todos da família e da igreja e decidimos denunciar para que não houvesse mais vítimas".

De acordo com a Djuly, por muitos anos ela se culpou e pensava que tudo isso teve que acontecer, pois, ela merecia. Pelo fato dela ter provacado o Walter. "Eu demorei muito tempo para poder conversar sem chorar. Tive muitos problemas por conta disso e até começar a fazer terapia e entender tudo o que vivi. Mas, se a Keytt não tivesse visto a carta, eu com certeza não teria contado isso para ninguém. Não teria coragem". Já a irmã mais nova, sente a dor até hoje. Keytt sofre com a depressão major – é uma condição clínica grave caracterizada por episódios depressivos, tais como sentimentos de desesperança e perda de interesse ou prazer em quase todas as atividades do dia-a-dia, mas luta para passar por mais essa fase da vida.

"No mês de abril, depois de 9 anos, voltei para Aquidauana e tive um gatilho. Fui à casa minha avó e percebi que ela ainda não se importa com a gente. Lembro dela sabendo do que acontecia dentro de casa e não fazia nada. Teve um dia que ela viu que eu estava sendo abusada sexualmente pelo marido dela, ela me tirou do quarto e começou a me bater. Como se a culpa daquilo estar acontecendo era minha. Já, Walter, saiu do cômodo e foi fumar, como se nada tivesse acontecido. Inclusive, ela vai visitar ele até hoje no presídio do município. Porém, hoje entendo tudo que passei", ressaltou Keytt.

Durante a entrevista, a mãe das meninas, Liliane de Almeida Neves, de 47 anos, relatou que também foi abusada sexualmente pelo mesmo homem quando era pequena. Mas, não esperava que isso aconteceria com as minhas filhas. No entanto, mesmo depois disso tudo me sinto vitoriosa pelo fato das minhas filhas estarem bem. Ainda bem que conseguimos fazer justiça e ele está preso. É um sentimento de alívio para nossa família [eu e minhas filhas], já que o restante dos nossos parentes, como as minhas irmãs, se revoltaram e não acreditam até hoje nos relatos das meninas.

Por fim, as irmãs finalizaram a entrevista dizendo que os pais prestem mais atenção no que os filhos fazem e falam. "As crianças mudam, ficam tristes, desenham o que aconteceu e até mesmo escrevem. Os pais precisam saber escutar e levar em conta tudo o que essas crianças relatam, pois, a maioria dos casos de abusos sexuais começa dentro de casa", finalizou Djuly. 

Denuncie!

O Ligue 180 é um serviço telefônico gratuito de orientação e encaminhamento de denúncias sobre violências contra as mulheres. Também é possível ser atendido pelo WhatsApp, basta enviar mensagem para o número (61) 9610-0180.

 

SIGA-NOS NO Google News