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Asas da Marinha salvam vidas no coração do Pantanal
Esquadrão de Helicópteros resgatou 79 pessoas em locais de difícil acesso nos últimos cinco anos
Segunda-feira, 08 Agosto de 2022 - 16:10 | Valdelice Bonifácio
Aquela manhã de terça-feira, 7 de Junho, começou absolutamente normal na vida da ribeirinha Vicentina Iris de Souza, de 67 anos. Moradora na comunidade pesqueira da Barra de São Lourenço, no Pantanal de Mato Grosso do Sul, ela iniciou o serviço do lado de fora da casa, varreu o quintal, e entrou para a cozinha para “mexer com as panelas”. Estava diante do fogão, quando sentiu o “corpo amortecer”, tentou continuar o trabalho, mas percebeu que o braço não obedecia. A mulher estava naquele momento sofrendo um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Vicentina Iris só não caiu no chão porque o marido, Severo Farias, de 66 anos, que acabara de retornar da coleta de iscas, notou que havia algo estranho se passando com a esposa. Ele a fez sentar numa cadeira e viu que a boca entortava e a língua da companheira enrolava. A idosa não falava mais e não conseguia se mexer. Com esforço, Severo a acomodou na cama. Desesperado, se perguntava como conseguir socorro. Lembrou-se de um antigo contato dos ribeirinhos da região, o "Capixaba", administrador da Fazenda Acurizal, na região da Serra do Amolar, em Corumbá.
Felizmente, o contato telefônico deu certo. Do outro lado da linha, o “Capixaba” aceitou o pedido de ajuda e deu as instruções. Vicentina foi colocada num bote, com auxílio de outros ribeirinhos. A viagem pelo Rio São Lourenço até a Fazenda Acurizal demorou cerca de 40 minutos, com a idosa imóvel. Quando chegaram à propriedade era por volta do meio-dia.
“Capixaba” já tinha telefonado para o Corpo de Bombeiros em Corumbá. A discussão agora, era como fazer o transporte de Vicentina até um hospital. Primeiramente, os bombeiros cogitaram a possibilidade de usar botes, mas foram informados que a idosa não estava em condições de nova viagem aquática. Ela estava imóvel e babando muito. Era preciso agir rápido. Foi nesse ponto que os bombeiros decidiram acionar aquela que tem sido um braço forte no resgate e transporte de vítimas em regiões de difícil acesso no Pantanal: A Marinha do Brasil.
Porém, a Força Armada, responsável pelas operações navais brasileiras, agiria pelo ar. Perto das 14 horas, o helicóptero do 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral do Oeste (EsqdHU-61), Organização Militar subordinada ao Comando do 6º Distrito Naval (Com6ºDN), em Ladário, município vizinho a Corumbá, pousou na Fazenda Acurizal. Vicentina não tem qualquer lembrança daquele momento, mas Severo guarda cada detalhe na memória. “Os militares desembarcaram e se dirigiram a ela, cheios de cuidados. Eles deram medicação, botaram aquele aparelhinho no dedo dela, e a carregaram até o helicóptero”, relata.
Poucos minutos depois, já estavam voando. Severo acompanhou a esposa na viagem pelo ar que, segundo ele, foi tranquila e com Vicentina muito bem amparada. Cerca de 48 minutos após a decolagem na Fazenda Acurizal, a aeronave pousou no heliponto da Marinha, em Ladário. Àquela altura, uma ambulância do Corpo de Bombeiros já aguardava no local.
Ambulância dos bombeiros fica a postos aguardando o paciente (Imagem: Divulgação/Marinha do Brasil)
Como muito cuidado, a paciente foi retirada do helicóptero, acomodada na maca e levada à ambulância que seguiu para a Santa Casa de Corumbá. Foram quatro dias de internação no CTI do hospital e mais sete em repouso no quarto. Agora, ela descansa na casa da família em Corumbá, onde se recupera na companhia da filha e do marido. “Olha, eu não tenho nem o que falar, a gente só tem a agradecer por tudo o que fizeram por mim. Sou muito agradecida aos militares que foram me buscar lá na fazenda, aos bombeiros e a todos os que me ajudaram”, diz a mulher.
O resgate de dona Vicentina está entre os 10 realizados pelo EsqdHU-61 neste ano de 2022 no Pantanal. O último a que se tem registro ocorreu em 25 de Julho. Um homem de 45 anos, morador da região de Porto Índio, localizada a cerca de 152 km de Corumbá, foi resgatado pelos militares e transportado no helicóptero da Marinha. A logística foi a mesma utilizada com a idosa. Na chegada ao heliponto do EsqdHU-61, uma ambulância do Corpo de Bombeiros seguiu com o paciente, que sentia fortes dores no abdômen, para a Santa Casa de Corumbá. Ele passa bem.
Nos últimos cinco anos, as equipes do esquadrão resgataram 79 pessoas nos confins do Pantanal. Foram mulheres gestantes, trabalhadores picados por cobras ou que caíram do cavalo, crianças que sofreram quedas ou passaram mal e outros pacientes. Todas as operações foram bem-sucedidas do resgate à entrega aos bombeiros.
Dona Vicentina também está melhor. Ela já caminha pela residência, mas ainda não tem total domínio do corpo. "A gente precisa estar o tempo todo atento. Andando atrás dela, para evitar queda. Porém, estamos muito agradecidos pela vida dela. Somente Deus poderá recompensar o pessoal da Marinha e dos Bombeiros, além do Capixaba por tudo o que fizeram naquele dia", afirma Severo deixando transparecer a voz embargada.
Emergência médica - O Primeiro-Tenente da Marinha, o médico Anderson Oliveira Soares foi quem socorreu dona Vicentina naquela fatídica terça-feira de Junho. Especialista em atendimento pré-hospitalar, o militar serve no Hospital Naval de Ladário (HNLa) desde 2017, e ainda coordena o SAMU de Corumbá desde 2019.
O Esquadrão de Helicópteros (EsqdHU-61) não tem médicos lotados. Os profissionais são acionados se houver demanda. Assim, o Primeiro-Tenente foi convocado para acudir Vicentina. Prontamente, se dirigiu à base e embarcou com a equipe.
Cada resgate tem sua especificidade; assim militares vão às missões preparados para tudo (Imagem: Divulgação/Marinha do Brasil)
O resgate de vítimas, é algo para o qual o Primeiro-Tenente está muito bem preparado. No vocabulário médico, resgates são nominados como atendimentos pré-hospitalares, justamente sua especialidade. Mas, ele ressalta que esse trabalho tem especificidades a serem observadas e que influenciam no atendimento.
“É uma caixa de surpresas, muito embora recebamos informações básicas do estado do paciente, dependemos da avaliação de um leigo que está no local. Com isso, pode ocorrer de não conseguirem identificar sinais de condições graves. Então, o maior desafio é esse, você não sabe o que pode encontrar. Podemos ter um paciente estável como o mesmo pode instabilizar durante o voo”, detalha.
O trabalho tem regras que precisam ser rigorosamente seguidas. Os resgates ocorrem em locais diversos. Os riscos e perigos para a equipe militar iniciam nos pousos, já que não são realizados em pistas convencionais e sim onde a aeronave conseguir pousar. Muito embora seja realizado o reconhecimento, ao fazer o pouso, é possível se deparar com animais ou defeitos no solo.
Ao chegar ao local do resgate, a equipe espera a liberação do campo pelo fiel da aeronave (militar responsável pela preparação da aeronave para o voo). A partir deste momento, os socorristas podem se locomover até a vítima. “Avaliamos, medicamos, se houver necessidade, e após a estabilização, procedemos com o embarque na aeronave. Essa etapa é muito importante, não devemos nunca transportar vítima instável, é uma das regras”, pontua.
Dentro da aeronave, o médico só está autorizado “a fazer o mínimo possível” para jamais interferir no manejo do voo. “Dessa forma, em solo, estabilizamos ao máximo as vítimas, para que seja possível o transporte. Dispomos de medicações que são alocadas em mochilas para facilitarem o transporte. Temos todo o material para estabilização, desde materiais para um simples curativo como materiais e medicação para realizar a intubação orotraqueal e possibilitar transporte do paciente grave”, comenta.
Lançando mão de toda experiência acumulada, o médico soube fazer o atendimento à Vicentina transcorrer muito bem, dos primeiros-socorros ao pouso no heliponto de Ladário. “Após a avaliação inicial, preparei a medicação e administrei, demoramos pouco mais de 5 minutos em solo, mas isso garantiu um transporte tranquilo”, relembra.
Imagens de pacientes chegando ao heliponto são a prova de missão bem-sucedida (Imagem: Divulgação/Marinha do Brasil)
Contudo, o trabalho do médico na Marinha não se resume às operações. “Já participei de vários apoios a exercícios com aeronave, nesse contexto, a prevenção de acidentes deve ser o primordial, mas devemos estar a postos para o pior”, ressalta.
Com a palavra, o piloto - O Capitão-Tenente Everton Alcântara serve há pouco mais de 5 anos no Esquadrão HU-61. Neste período, ele já participou de 23 evacuações aeromédicas (EVAM). Segundo ele, localizar a vítima e área para pouso são os maiores desafios nas missões no Pantanal. “Com frequência, a pessoa que precisa ser atendida, não possui telefone em sua residência, precisando se deslocar para alguma fazenda com mais estrutura nas proximidades para solicitar auxílio (…) Já houve caso de precisarmos realizar mais de cinco pousos na tentativa de localizar a vítima”, relembra.
No Pantanal, há fazendas com pistas de pouso que são frequentemente usadas nas missões. Contudo, elas nem sempre estão ao alcance. Logo o piloto deve estar preparado para situações menos confortáveis, como pousar em campo de futebol, pasto ou "quintal" de chácara, dentre outros. Esses locais geralmente tem o terreno irregular e estão cheios de detritos que, se ficarem suspensos com o fluxo de ar provocado pelo rotor do helicóptero, podem trazer perigo para o voo.
Dessa forma, o piloto precisa estar muito atendo nos pousos e decolagens, assim como toda a equipe. “A tripulação da aeronave também tem que ficar muito atenta na aproximação de pessoas e animais, pois, por se tratar de um resgate, a aeronave fica acionada no momento de embarque da vítima.”
O Capitão-Tenente conta que já enfrentou situações inóspitas quando teve que voar nas operações de resgate, como durante as queimadas no Pantanal em 2020, por exemplo. A fumaça deixava a visibilidade reduzida. Os helicópteros do Esquadrão não são homologados para voo por instrumento, ou seja, o piloto precisa de referências visuais para voar e a redução de visibilidade tem um limite.
“Nessa ocasião, em 2020, eu estava voando solo e com a visibilidade reduzida, precisando voar muito baixo para manter as referências visuais, além do local de resgate ser distante, o que deixava a aeronave com uma baixa autonomia para realizar desvios. Dessa forma, qualquer decisão do piloto tem que ser muito bem pensada, pois o risco à vida pode atingir todos na aeronave”, conta.
Felizmente, no dia do resgate de Vicentina, as condições estavam boas e o voo de ida e volta transcorreu dentro da normalidade e tranquilidade, conforme já tinha relatado o esposo da vítima, Severo Farias.
O comando da Marinha do Brasil informou que o resgate de vítimas, feito por meio de Evacuação Aero Médica (EVAM) é uma ação de cooperação com o Corpo de Bombeiros e sua realização ocorre eventualmente em locais onde o acesso é difícil ou inviável via terrestre e em caso de comprovada emergência. O voo depende, ainda, de diversos fatores, como condições meteorológicas, período diurno, distância, entre outros.
Gavião, asas da Marinha – O 1º Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral do Oeste (HU-61) completou 27 anos em Maio de 2022. Atualmente, possui três aeronaves UH-12 (esquilo). A aeronave tem espaço para dois pilotos e mais quatro passageiros, atinge a velocidade de 100 nós (185 km/h) e a autonomia é de 2h50min.
Na realização de uma EVAM, a aeronave é tripulada por dois pilotos, um fiel e um médico, contudo, quando a vítima não consegue vir sentada, sendo necessário instalar uma maca e a tripulação é reduzida para um piloto, um fiel e um médico.
O HU-61 é conhecido como Esquadrão Gavião Pantaneiro, assim como as aeronaves que opera, nome alusivo à espécie falconiforme, da família dos aciptrídeos e falconídeos, ave dotada de visão privilegiada, soberana na região pantaneira. O pássaro frequenta terrenos abertos, descampados, margens dos rios, lagoas e cerrados, onde a qualquer momento pode capturar sua presa.
Na explicação da Marinha, o símbolo deste Esquadrão traduz “a vivacidade, audácia e astúcia deste predador por natureza é a representação fiel dos sentimentos do Esquadrão HU-61 no cumprimento de suas missões.”
Ainda de acordo com a Marinha, o Esquadrão tem as seguintes atribuições: transporte de tropa, ligação e observação, apoio aéreo aproximado, apoio logístico móvel, reconhecimento armado, cobertura aérea, escolta, ataque aéreo, esclarecimento, busca e salvamento (SAR), evacuação aeromédica (EVAM) e combate a incêndio, operações especiais e levantamento fotográfico.
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