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Um acolhimento colorido

Como o acolhimento familiar é importante para a comunidade LGBT+?

Quarta-feira, 28 Junho de 2023 - 08:03 | Taís Wölfert


Um acolhimento colorido
Acolhimento familiar é um ponto importante na jornada do LGBT+ (Foto: Luciano Muta)

Hoje, dia 28 de junho, é celebrado o Dia do Orgulho LGBT, data é em homenagem a um episódio que marcou essa comunidade na luta pelos seus direitos, a Rebelião de Stonewall, que ocorreu em 28 de junho de 1969. No Brasil, 2,9 milhões de pessoas de 18 anos ou mais se declaram lésbicas, gays ou bissexuais, segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS): Orientação sexual autoidentificada da população adulta, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

De acordo com um relatório do Grupo Gay da Bahia, um LGBT+ é morto a cada 34 horas. Dados foram levantados em 2022. E com relação ao ambiente de trabalho, um levantamento feito pelo Linkedin indicou que quatro em cada dez pessoas LGBT+ já sofreu discriminação no trabalho.

O acolhimento familiar juntamente com o apoio é importante para que as pessoas que fazem parte dessa comunidade tenham com quem contar. “O contexto familiar, no desenvolvimento psíquico e comportamental dos integrantes da comunidade LGBTQIA+, influencia em aspectos externos, semeando e permitindo o conhecimento de cultura, ambientes, expressão e relações interpessoais. Assim como aspectos internos, evidenciando o desenvolvimento, acolhimento e afeto. As vivências da própria sexualidade e expressão de gênero são características do indivíduo que, em um ambiente intrafamiliar, são validadas e valorizadas ou reprimidas, podendo promover ou comprometer o bem-estar, saúde e desenvolvimento dos integrantes da comunidade LGBT+” afirmou o psicólogo Alcidino J. B. Júnior.

Alexandre Clemente de 23 anos é o Mister Trans Centro-Oeste, cursa educação física e tem o apoio da família.

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Alexandre Clemente é o Mister Trans Centro-Oeste (Foto: Luciano Muta)

"Só 0,2% da nossa comunidade está dentro de um ensino superior, a evasão escolar da comunidade trans é altíssima, e o apoio da minha mãe foi essencial pra me manter dentro dos estudos, foi essencial pra eu conseguir ter forças pra hoje estar trabalhando, estar estagiando, estar dentro da minha faculdade" afirmou Alexandre.

A mãe de Alexandre, Dayse Clemente, frequenta a igreja e contou que quando o filho se assumiu ela conversou com o Pastor. Ao que ele respondeu para ela: "filha não vira as costas para seu filho, porque se você virar as costas, você joga para as drogas para a prostituição e para o suicídio".

"A parte maior disso tudo é que eu aprendi tanta coisa com esses meninos. Uma delas foi o quanto eles sofrem com o abandono da família, ou desprezo da família principalmente. Em vários eventos que eu fui com ele, os meninos falavam assim 'tia, eu tenho muito orgulho de você, queria que minha mãe fosse assim'" relembrou Dayse.

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Apoio familiar é importante para que a pessoa não se sinta sozinha (Foto: Luciano Muta)

A vida de um LGBT+ pode ser bem solitária e por isso a família e seu acolhimento entra como um ponto importante nessa jornada.

"A primeira luta é entre você e você, a primeira pessoa que tem que te entender é você. E passar por isso sozinho, poxa eu já passo por tudo que eu passo fora de casa, já passo por transfobia, já passo pela exclusão social, daí eu chego em casa tudo que a gente quer não é o colo da mãe, não é o colo do pai? Independente de você ser LGBT+ ou não. E quando a gente já é dentro do meio LGBT+ tudo já é mais aflorado, esses preconceitos, essas exclusões, então ter o apoio da nossa família, ter um ombro pra falar: ó eu to aqui contigo, continua, se você cair to aqui pra te ajudar a levantar. É muito importante eu sair na rua, sofrer um preconceito, chegar e minha mãe falar: ei, ta tudo bem. Não é nem questão dela chegar e gritar pra todo mundo ouvir que 'ele é meu filho', é chegar, me dar um abraço e falar: ei, eu te amo, to contigo, to aqui com você" ressaltou Alexandre sobre a importância da família no dia a dia.

Infelizmente, alguns LGBT+ não podem contar com esse apoio. "No Mister Trans Centro-Oeste, eu não torci para o Alex. Eu gritava por cada um que entrava. As histórias são muito tristes, cada um tem uma história e você olhava para o lado e cadê os pais desses meninos? Então eu me senti a mãe de todos eles" contou Dayse.

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Dayse Clemente aprendeu muito com o filho (Foto: Luciano Muta)

"Eles ficam tão perdidos quando estão sozinhos, é uma tristeza tão grande, a maioria é depressivo, a maioria tenta suicídio e isso é porque não tem apoio. Porque se tivesse apoio da família evitava muita coisa. Muitos se desesperam, param de estudar, vão para a prostituição, porque não tem dinheiro, não tem nada, vão ganhar o dinheiro pra se sustentar" ressaltou Dayse. E segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra), 90% do grupo no Brasil é composto por profissionais do sexo.

A mãe de Alexandre também falou sobre o sofrimento da perda de um filho. "Se todo pai, toda mãe ajudasse nesse caminho ia ser muito mais fácil. Eu tenho certeza que tem muita mãe que hoje chora porque perdeu o filho. E perdeu por que? Será que ela deu o colo pra essa criança, adolescente pra poder dar pelo menos um apoio? Muitos tentam suicídio, outros tentam e conseguem".

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Alexandre e Nala estão juntos desde março (Foto: Luciano Muta)

O psicólogo Alcidino falou sobre como a família é o primeiro grupo que uma pessoa convive. "Ao abordar o assunto 'família' e como esse grupo está presente no desenvolvimento humano, não podemos deixar de priorizar o grupo familiar como o primeiro grupo social de cada indivíduo. Sobre a atuação da família no desenvolvimento de uma pessoa LGBT+, gosto de pontuar ações restritivas ou reforçadoras, não limitando essa relação, como inteiramente restritiva ou reforçadora".

Nala Arruda, 23 anos, é acadêmica de enfermagem, a DJ Afropaty e namorada de Alexandre. Ela também faz parte da comunidade trans e contou com o acolhimento da família. Mas devido a preconceitos teve que deixar a igreja de lado.

"Eu tive que sair da igreja a partir dos 16 anos. Eu não era muito bem vista dentro da igreja, daí precisei me ausentar e foi uma das coisas que até hoje eu sinto. Porque querendo ou não eu cresci dentro da igreja, então é algo que pesa muito ainda hoje. Mas foi porque não pude continuar" contou Nala.

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Nala Arruda além de estudar também é a DJ Afropaty (Foto: Luciano Muta)

Ela ressaltou ter muita fé. "Eu continuaria muito. Uma coisa que eu sempre falo é que a minha fé é muito grande, então eu tenho muito um apego com Deus. Se não fosse todo o preconceito eu continuaria".

Por isso, a família tem um papel importante com um membro da comunidade LGBT+, Nala deixou de ir à igreja, mas continuou com o acolhimento em casa. “Os integrantes da comunidade LGBT+ vivenciam processos intrafamiliares que podem ser destacados positivamente, através das relações de apoio, reforço, estímulo e acolhimento, permitindo um desenvolvimento autônomo e saudável, com aspectos psicossociais e cognitivos bem nutridos” afirmou o psicólogo.

Dayse mostra-se muito orgulhosa, tanto pelo filho quanto pela nora e frisou: "A partir do momento que você aceita você não precisa concordar, mas você aceita, respeita, ajuda".

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