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Pais batalharam judicialmente para salvar Sophia e acreditam em omissão
Em entrevista ao DD, pais de Sophia de Jesus Ocampo descrevem relação com assassinos e Justiça
Terça-feira, 31 Janeiro de 2023 - 11:33 | Victória de Oliveira e Thays Schneider

A pouco menos de dois dias para completar uma semana da morte da pequena Sophia de Jesus Ocampo, de apenas 2 anos e sete meses, o sentimento presente no processo de luto de Jean Carlos Ocampo e Igor de Andrade é de indignação com a situação e com as autoridades. Jean é pai biológico da menina e Igor, companheiro de Jean e pai de consideração de Sophia. Hoje, retornam para a casa “cinza” sem a presença da filha.
Em entrevista ao Diário Digital, Igor e Jean descreveram a relação com o casal de assassinos e com a própria filha. A menina era a alegria na vida do casal. “Gostava de dançar, brincar e tudo mais. Era assim, eu ia fazer comida e tinha que colocar uma panelinha no chão. Colocava arroz cru para ela ir brincando. Aí ela fazia aquela mistura dela e eu tinha que comer, senão ela ficava muito brava comigo. E ela era assim. Ela era minha parceira, minha companheira para tudo”, recorda o Igor.
A ‘companheirinha’ de Igor foi tirada dele pela própria mãe, Stephanie de Jesus da Silva, de 24 anos, e pelo namorado dela, Christian Campoçano Leitheim, de 25 anos, que mataram a menina após inúmeros quadros de agressão na última quinta-feira, 26 de janeiro. Sophia morava com a mãe, o padrasto e mais dois irmãos - um menino, filho do homem, e uma bebê, filha do casal - em uma residência na Vila Nasser. O local era insalubre e as crianças brincavam em meio a latas de cerveja espalhadas pela casa.

Na casa onde Jean e Igor moram, Sophia será lembrada em cada detalhe.”Quando a gente [Jean e Stephanie] se divorciou, eu fiquei um tempo sem conseguir visitar a minha filha. Depois, as visitas foram estipuladas e ela [Sophia] passou a frequentar nosso lar. Eu sempre falo que a nossa casa era cinza. Quando a Sofia começou a frequentar, ela trouxe cor”, conta.
Mesmo Igor não sendo o pai biológico de Sophia, a menina tinha o mesmo carinho que possuía por Jean, o pai biológico. “Eu tive a missão de amar uma pessoa que não era do meu sangue. Eu amei minha filha a cada instante. A gente perguntava ‘a Sophia tem quantos papais?’ e ela respondia que tinha dois papais”.
O casal era participativo na vida de Sophia e não queria perder nenhum momento do crescimento da pequena. Mas a genitora da menina era relutante ao contato. Jean explica que, quando começou a se relacionar com Igor, Sophia possuía meses de idade. Nesse período, as visitas eram poucas e controladas por Stephanie. Com cerca de nove meses, a bebê passou a frequentar a casa do casal. “Eu pegava ela umas 6h e devolvia às 18h. No começo foi assim. Aí eu fui conversando com aquela pessoa com quem ela morava [Stephanie] e ela foi cedendo”, relata.
As visitas, que antes duravam apenas uma tarde, passaram a virar pernoites. As pernoites, transformaram-se em finais de semana, que foram substituídos por semanas na casa dos papais. “Ela ficava uma, duas semanas no máximo. Era um tempo grande, mas depois de muita luta”, conta Jean. Mas eventualmente, Sophia precisava voltar para a residência da Vila Nasser.

A última vez que viram a filha com vida foi no dia 15 deste mês, 11 dias antes de Sophia ser morta pela própria mãe e pelo padrasto. “Após isso a gente só recebeu a notícia e foi aquele desespero, tudo aquilo”, contam. Os contatos que tinham com a mãe eram poucos e, na maioria das vezes, Stephanie pedia o valor da pensão adiantado.
Agressões e desconfiança
“Toda vez que eu ia levá-la, ela se desesperava. Entrava no carro e eu ia chorando na ida e na volta. Voltava com o coração na mão”, relembra. A preocupação do pai era pelo que viria a se tornar a causa da morte da filha. Jean explica que a menina possuía ‘roxos’ por diversas partes do corpo. Quando questionava a genitora, Stephanie atribuía a culpa ao filho mais velho de Christian. “Sempre um menino que batia, porque era criança, porque corria. Sempre essas desculpas”, conta.
Mesmo com as ‘justificativas’, Jean e Igor pressentiam que algo pior ocasionava as lesões na pequena Sophia. O pai biológico recorda que, em uma das vezes em que foi buscar a filha, a menina estava com a perna quebrada. A ocasião, inclusive, foi a única em que teve contato com o assassino da filha. “Foi em uma confraternização da empresa em que a Stephanie trabalha. Eu cheguei e a Sophia estava com gesso na perna. Só que estava todo urinado. Ele [Christian] papel filme na perna para poder inibir o odor. Estava muito fétido, muito fétido mesmo. Saímos de lá e fomos para casa, foi aí que sentimos aquele cheiro. Então nós demos banho e levamos ela numa loja de bota ortopédica, porque fazia muito tempo que ela estava com aquele gesso. Não tinha condições, aquilo ia virar ferida”, recordam.

Igor conta que o casal não tinha conhecimento real da situação a qual Sophia era submetida. Inclusive, destacam que não tinham conhecimento de grande parte das vezes em que a menina dava entrada em unidades de saúde. Durante as investigações, o que chamou atenção da Polícia Civil é que a menina havia sido atendida mais de 30 vezes na unidade de pronto atendimento. Inclusive, em uma delas, ela estava com a tíbia quebrada.
O pai ‘de consideração’ relata que foram alertados pela avó materna da menina, que também tomou conhecimento dos maus-tratos. “Tem áudio, conversa de uma hora deles [Jean e avó] conversando. Ela relata tudo, desde o fato dos maus-tratos da mãe, do jeito que aquele rapaz [Christian] era estranho, fechado”, conta.
O pai de consideração ressalta que apenas sabiam do que contavam para eles, o que não permitia que tivesse ciência da gravidade da situação. “Os únicos que relatos que a gente sabe são em relação a esses monstros. Se sonhássemos que estava nesse grau, nessa proporção, a gente mesmo tinha pegado a neném e não devolvido. A gente tinha, sei lá, ‘roubado’ a nossa filha para irmos a delegacia. Só que ficamos sem informação”, explica.
Busca nas autoridades
Das vezes em que compareciam a delegacias de polícia da Capital, ficavam sem informações do caso. Em duas ocasiões, chegaram a registrar boletins de ocorrência por maus-tratos na Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), um em dezembro de 2021 e o outro em novembro de 2022. Sobre os registros, a delegada titular, Anne Karine Sanches Trevizan Duarte explicou que o caso estava nas mãos do Poder Público. “Ambos boletins haviam sido finalizados e encaminhados para o Poder Público”, afirma.

Porém a situação era mais antiga. Em dezembro de 2021, buscaram Sophia para passar a virada do ano juntos e notaram os hematomas, inclusive no rosto da pequena. Na época, acionaram o Conselho Tutelar. “Porque não era normal. Eu questionei a genitora do que era aquilo e ela respondeu que tinha sido um tombo, que a Sophia tinha subido no carrinho e caído. Mas aquilo não era um hematoma de queda, era de pancada. Eu mostrei para outros enfermeiros que trabalhavam comigo e eles concordavam comigo, então fomos atrás de justiça”, lembra Jean.
O caso não deu em nada. Os pais de Sophia explicam que mostraram provas dos maus-tratos em diversas ocasiões - como fotos dos hematomas e áudios. O resultado: “nem recebidos por um conselheiro nós fomos”, contou Jean. No prédio do Conselho Tutelar, foram informados que deveriam comparecer à Depca primeiro, onde abriram o boletim de ocorrência e aguardaram o processo.
Mas o casal conta que, por serem dois pais, o preconceito das autoridades foi visível. “A pergunta era sempre a mesma. ‘O que você é da criança?’. Eu falava que era esposo do Jean, mas que Sophia também era minha filha. Pediam para eu aguardar e nunca me ouviam. Sempre ele que tinha que falar porque não queriam me ouvir, embora eu estivesse ali, cuidando da neném”, destaca.

Após o caso, Jean e Igor procuraram o Conselho por mais duas vezes, uma em fevereiro e outra em maio, quando descobriram que Stephanie foi autuada pela Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Ambientais e de Atendimento ao Turista (Decat) por maus-tratos a animais. “Nós levamos provas, matérias, porque queríamos agilizar o processo, levar na Delegacia e mostrar que a situação que a Sophia vivia era insalubre”, detalham. Nesse dia, os pais foram informados por uma conselheira que a carteira de vacinação da criança estava atrasada.
O processo foi encerrado por ‘falta de provas’ e a menina continuou a conviver com quem viriam a ser os assassinos dela. Na primeira ocasião, Jean e Igor conseguiram fazer com que Stephanie fosse intimada para audiência, dez meses após o registro da ocorrência. Apenas o pai biológico da menina compareceu. Perguntado sobre os hematomas na menina, Jean relatou que Sophia sempre chegava com arranhões, porém não naquela gravidade. A Justiça, então, decidiu encerrar o processo e a menina continuou na casa.
No segundo boletim de ocorrência registrado em novembro do ano passado, quando Sophia estava com a tíbia fraturada pelas agressões, a mãe não havia sido intimada. Nessa mesma época, o casal conheceu a advogada Janice, que tomou conhecimento do caso quando estava na mesma unidade de saúde onde Sophia havia, mais uma vez, dado entrada em decorrência das agressões, e aconselhou os pais a registrarem o caso.
Para a advogada, a resposta das autoridades perante a situação foi de omissão. “Eles têm acesso a todos os boletins de ocorrência contra ela [Stephanie]. Desde os maus-tratos a Sophia até os maus-tratos a animais. Todas as situações. Não é normal uma criança dizer que quebrou a perna no banheiro. Isso aqui é omissão. Prevaricação.”, destaca Janice.
Processo de guarda
O casal chegou a pedir a guarda de Sophia na Justiça. Procuraram a Defensoria Pública para representá-los no caso. “Pediram muitos e muitos e muitos documentos e sempre precisavam de testemunhas. Só que a gente nunca tinha testemunha que fosse lá. E as pessoas que conheciam o caso eram minha mãe, o vizinho do lado. Pessoas próximas a nós, que não serviam como testemunha”, contam.

Novamente, foram informados que ‘por falta de provas’ o pedido de guarda não seria levado para frente. “A gente mostrava fotos, a gente mostrava a neném. Eu acho que eles deveriam agilizar o processo, agilizar a gente com informações. ‘Ó, vocês tem que fazer assim’ e não ficar pedindo documentos e mais documentos. O tempo que a gente enrolava atrás de documento, era o tempo que poderiam ter feito algo, [como] uma medida protetiva, ou tirado ela de imediato daquela casa”, expressa Igor.
Presos
A mãe e o padrasto vão continuar presos. Na manhã deste sábado, 28 de Janeiro, o juiz Carlos Alberto Garcete, da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Campo Grande, converteu a prisão temporária do casal em preventiva, durante audiência de custódia no Fórum da Capital.

A mãe Stephanie de Jesus Dada Silva, 24 anos, e o padrasto Christian Campocano Leitheim, 25, estão na carceragem da Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário (Depac) Centro e devem ser encaminhados para unidades penais ainda neste sábado.
O juiz entendeu que é prudente manter a prisão para impedir que o casal tente atrapalhar o andamento regular do processo. "(...) Conforme noticiado nos autos, a criança somente foi levada para o Pronto Socorro após o período de 04h de seu óbito, o que evidencia que os custodiados tentaram alterar os objetos de prova. Se solto, certamente de tudo fará para dificultar ou desfigurar as demais provas", afirma no despacho.
O padrasto deve ir para a penitenciária estadual Masculina de Regime Fechado da Gameleira e a mãe para o estabelecimento penal Feminino "Irmã Irma Zorzi".
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