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No mesmo quarto em que oravam juntos, mãe teve a confirmação da data do julgamento

Há um dia do júri popular pela morte do filho, em lava-jato da Capital, Marisilva conta ser movida pela fé

Quarta-feira, 29 Março de 2023 - 07:30 | Victória de Oliveira e Thays Schneider


No mesmo quarto em que oravam juntos, mãe teve a confirmação da data do julgamento
Marisilva exibe pertencentes de Wesner em quarto que dividia com o filho - (Foto: Yasmin Soares)

A fé de Marisilva Moreira, de 50 anos, auxilia a rotina diária da dona de casa. Fé religiosa e fé na justiça. Nesta quinta-feira, 30 de março, encara pela primeira vez em seis anos os acusados do assassinato do filho Wesner Moreira, de 17 anos na época. O menino foi morto, em 2017, no lava-jato onde trabalhava, na avenida Interlagos, em Campo Grande (MS).

Desde o primeiro contato com a reportagem, Marisilva foi receptiva e demonstrou a vontade de ser ouvida. Agradeceu-nos por diversas vezes e abriu as portas da casa no bairro Pioneiros, onde mora atualmente e que já foi lar do filho, para nossa equipe. Seis anos se passaram desde o fatídico dia 03 de fevereiro de 2017. Há seis anos, busca na fé em Deus a força para continuar seguindo a vida.

Wesner é descrito pela mãe como um menino doce, educado e sonhador. Ambos possuíam uma conexão forte. Dormiam juntos, porque Wesner tinha medo de ficar sozinho, oravam juntos e planejavam a vida juntos. O menino possuía o sonho de ir para o quartel, porque queria proporcionar à mãe uma vida confortável. “Ele falava ‘mãe, eu quero poder dar tudo para senhora. Não quero que te falte nada’”, relembra.

Mãe encara suspeitos pela 1ª vez
Wesner possuía sonho de ir servir o Exército Brasileiro - (Foto: Yasmin Soares)

Na cama do quarto onde agora divide com o luto, Marisilva estende os pertences do filho, que guarda com carinho. Boletins escolares, carrinhos de quando era criança, currículos e até a pulseira da maternidade. Tudo para continuar viva a memória do filho. “Ele fazia também pulseiras para vender e guardava tudo. Um dia eu puxei uma gaveta e achei dinheiro, falei ‘menino, me empresta aí’ e ele respondeu ‘não mãe, não vou te emprestar, eu vou é te dar o dinheiro’. Tudo das pulseirinhas que ele fazia”.

Wesner batalhava todos os dias para dar a tão esperada vida confortável à mãe. Distribuiu diversos currículos pela Capital, porém era negado pelo sonho de ir ao quartel. Até que conseguiu um emprego. No lava-jato S/S. O lugar que abriu as portas do sonho do adolescente e, posteriormente, serviu de cenário para sua morte.

“Brincadeira?” - O jeito brutal pelo qual Wesner foi morto faz a mãe questionar a versão apresentada por Thiago Giovanni Demarco Sena, de 26 anos, e Willian Enrique Larrea, de 36 anos, quanto aos fatos. Em depoimento, tanto Thiago, o proprietário do S/S Lava-Jato, quanto William, funcionário, afirmam que o caso foi “uma brincadeira”.

As investigações da Polícia Civil apontam que no dia dos fatos, a vítima, que trabalhava no lava-jato, pediu a Willian que comprasse refrigerante para consumirem juntos, em tom de brincadeira. Willian reclamou do pedido e passou a bater em Wesner com pano de limpar os carros, “também de maneira lúdica”, aponta a denúncia apresentada pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul.

Dupla que matou adolescente encara júri
Lava-jato onde Wesner foi morto, em 2017 - (Foto: Luciano Muta/Arquivo)

Wesner, então, pediu para que o proprietário do lava-jato parasse com a brincadeira. Como Willian não atendeu, a vítima correu para longe dele. O proprietário correu atrás de Wesner, o imobilizou e carregou a vítima por cima dos ombros até onde Thiago estava. 

Thiago pegou a mangueira de ar, retirou a bermuda e cueca da vítima e a introduziu no ânus de Wesner. O adolescente passou mal e vomitou. A vítima foi socorrida até o Centro Regional de Saúde (CRS) do Tiradentes e encaminhada até a Santa Casa, onde passou por procedimentos cirúrgicos. 

Antes do ocorrido, no entanto, Wesner já tinha sido vítima de Thiago e William. Marisilva relembra que Wesner, uma vez, foi presenteado com uma bala pela dupla. No lava-jato, era reconhecido por ser o mais educado dos funcionários. Para a mãe, isso revoltava tanto o proprietário quanto o outro funcionário. “Eles deram uma bala para Wesner, falaram que um dos clientes quem tinha dado. Só que tinha uma massa dentro da bala. Acho que era concreto ou algo assim. Ele passou a noite vomitando. Até que ponto tudo isso que faziam com meu filho é brincadeira?”, questiona.

Os 11 dias - Wesner ficou 11 dias internado na Santa Casa de Campo Grande antes de vir a óbito, em 14 de fevereiro. “Deus deu essa oportunidade para ele contar o que aconteceu. Porque seria a palavra deles [Thiago e William] contra uma pessoa que faleceu, não teria como contar”, acredita. Durante o período em que ficou no hospital, Marisilva conta que o filho pedia para que a mãe prestasse queixa na delegacia contra os acusados. “Ele dizia ‘não quero mais eles perto de mim’”.

Nesse meio-tempo, recebia visitas diárias de colegas e familiares. Tanto a mãe quanto Luciano, o filho mais velho, acreditavam na melhora do caçula. “Ele conversava com a gente. Meu filho era muito vaidoso, pedia gel de cabelo e pasta de dentes, para receber as visitas. Ele planejava prestar queixa depois que saísse de lá”, relembra.

Mãe encara suspeitos pela 1ª vez
Marisilva lembra que Wesner era vaidoso - (Foto: Yasmin Soares)

O adolescente, no entanto, não resistiu aos ferimentos e foi a óbito, em 14 de fevereiro. O Inquérito Policial descreve que o menino teve ruptura do esôfago. 

Após o falecimento do filho, a mãe diariamente luta para que Thiago Giovanni Demarco Sena e Willian Enrique Larrea sejam condenados. “Sempre falei que ia até o fim. E agredeço muito a Deus, porque foi ele quem assinou dia 30 [data marcada para o júri popular dos acusados]. Se Deus quiser vai ser uma coisa, que as pessoas sempre falavam, eles têm que pegar a pena máxima”, afirma. 

03 de fevereiro de 2017 - O dia 03 de fevereiro de 2017 amanheceu estranho para a família de Moreira. Wesner, que tinha costume diário de ir ao lava-jato de bicicleta, foi buscado em casa pelo proprietário do local, Thiago. A mãe estranhou a situação. 

Horas depois, por volta das 09h, foi acordada pelo homem chamando por ela. Marisilva quando avistou Thiago, ainda da janela da casa, deixou as lágrimas escorrerem pelo rosto, porque sabia que algo tinha acontecido com o filho. “Não imaginava que fosse o que aconteceu”, declara. 

Mãe encara suspeitos pela 1ª vez
Mãe relembra memórias de filho - (Foto: Yasmin Soares)

Conta que lembra do proprietário falar para ela “arrumar as coisas e para ir à Santa Casa, porque Wesner é menor de idade e não pode ficar desacompanhado”. Com o coração apertado, a mãe foi até o local, onde o encontrou já em cirurgia.

Vivendo a vida - Marisilva e as famílias de Thiago e William moram na mesma região do Pioneiros. Enquanto a vida da mãe é marcada pela luta diária a fim da Justiça e pelo luto da morte de Wesner, o cotidiano das famílias dos suspeitos era marcado por festas. Era, porque, segundo o relato de Marasilva, as festanças encerraram em 09 de fevereiro de 2023, data em que o júri popular da dupla foi marcado. 

Mãe encara suspeitos pela 1ª vez
Thiago (à esquerda) e Willian (à direita) são acusados de matar Wesner (ao centro) - (Fotos: Arquivo/DD)

Para a mãe, a situação, descrita pelos suspeitos como “brincadeira”, demonstra a ruindade dos homens. “Tanta maldade fizeram com meu filho, um menino tão educado, que não fazia mal para ninguém. Foi maldade, porque uma mãe não reconhecer o filho, que saiu para trabalhar e voltou num caixão”.

Julgamento - No penúltimo dia do mês, em 30 de março, a dupla encara o 1º Plenário do Tribunal do Júri. Nem Thiago nem Willian foram presos pelo crime. A Polícia Civil chegou a pedir a prisão preventiva dos acusados, que foi negada pelo juiz Carlos Alberto Garcete.

O parecer do Ministério Público Estadual descreve, ainda, que Willian e Thiago se aproveitaram da vantagem física sob a vítima e cometeram o crime.


 

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