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Na Capital, biotecnologia é aposta para fazer água de esgoto retornar limpa aos rios
Processo inovador usa microalgas para purificar a água e ainda produzir bionergia e fertilizantes
Terça-feira, 22 Março de 2022 - 07:00 | Valdelice Bonifácio
A água retirada do esgoto ficou verdinha. Ela foi colorida pelas microalgas que vão limpá-la até que esteja pura o suficiente para retornar aos rios. As mesmas microalgas serão usadas para produção de bionergia e fertilizantes.
Esse inovador processo biotecnológico está sendo desenvolvido em Campo Grande (MS). À frente do projeto está o professor Marc Árpád Boncz, da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia (Faeng), da Universidade Federal.
Nome e sobrenome entregam a origem estrangeira de Marc Árpád Boncz, que é holandês e vive em MS desde 2003. O projeto com microalgas é para ele mais do que um experimento científico e sim uma causa de vida.
Engenheiro ambiental, Marc sempre se dedicou a pesquisas relacionadas à água e esgoto. Na visão dele, tratar a água e investir em sustentabilidade são ações urgentes em qualquer lugar do mundo.
"O esgoto no Brasil ainda é tratado de forma insuficiente. O solo está relativamente pobre (...), o que faz o Brasil comprar milhões de toneladas de fertilizante cada ano, que no final das contas acabam nos oceanos", resume para explicar o quanto é preciso agir em várias frentes e depressa.
Sua pesquisa multifacetada intitulada “Tratamento terciário de esgoto com microalgas: teste piloto de um processo único para recuperar nutrientes, remover patógenos e fármacos e purificar o biogás” já está na fase prática.
Conforme o estudo, o uso das microalgas é uma biotecnologia muito propícia para estações de esgoto, onde há fartura de CO2 e nutrientes, como potássio, nitrogênio e fósforo, exatamente o que estes organismos precisam para se alimentarem e se desenvolverem.
O projeto embrionário está montado na Fazenda-Escola UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) , na saída para Rochedinho. Em campo aberto, o professor Marc e sua equipe de doutorandos montaram três tanques que recebem água do esgoto pré-tratado da fazenda-escola.
"Escolhemos a UCDB porque é um dos poucos locais que ainda trata o próprio esgoto. Então como precisávamos do líquido na fase pré-tratada fizemos um convênio e estamos tocando a pesquisa", relata.
Parte dos equipamentos foi comprada com recursos próprios pelo professor Marc. Somente há poucas semanas, o projeto foi contemplado com recursos da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia, Fundect.
Os tanques estão cheios de água misturada às microalgas -sendo a maioria da espécie Clorella- que deixa o líquido na cor verde escuro. Com isso, uma das fases mais importantes do estudo já está em andamento.
A eficiência das microalgas para limpar a água já é conhecida entre os estudiosos. Porém, agora será possível entendê-las nos seus detalhes e tempo de serviço.
A pesquisa mostrará quais condições são mais apropriadas para extrair o melhor do potencial de limpeza das microalgas. Um dos tanques, por exemplo, tem mais profundidade e, com isso, recebe menos luz que os demais. Uma situação que será comparada.
A tecnologia é uma aliada do trabalho da equipe. O experimento tem vários sensores que monitoram a quantidade de água nos tanques e baldes: a turbidez, pureza do líquido, pH, oxigenação entre outros aspectos.
Dessa forma, o professor e sua equipe podem vigiar a experiência on-line e à distância, no computador ou celular. Mesmo assim, os pesquisadores marcam presença física no local várias vezes por semana.
"São duas fases importantes, limpar a água para devolvê-la aos rios o mais pura possível, e depois separar essas algas que se alimentaram dos nutrientes do esgoto para produção de bionergia e fertilizantes", ressalta o professor.
O experimento está funcionando há cerca de um mês. Dentro de pouco tempo, os vários dados que estão sendo coletados diariamente trarão respostas relevantes aos pesquisadores.
Microalgas resistentes - As microalgas utilizadas nos tanques da fazenda-escola foram originalmente retiradas da vinhaça represada na usina de álcool e açúcar onde, em 2008, a pesquisa começou. Elas são resistentes porque nos efluentes da usina suportavam o calor e o pH ácido.
Naquele 2008, o professor Marc pesquisava efluentes de uma usina de álcool e açúcar, que produz também grandes quantidades de CO2. A meta era produzir biodiesel extraindo o diesel de algas, cultivadas com este CO2 excedente, além dos nutrientes que sobram, mas o processo se mostrou muito caro.
Agora, as algas servem à nova pesquisa. Elas são conservadas em garrafas de vidro no laboratório da UFMS, para que a equipe tenha sempre amostras à disposição.
Vale mencionar que após todo o processo nos tanques, as microalgas são decantadas, e em seguida passam por um digestor anaeróbio, onde a massa cheia de nutrientes é convertida em fertilizante e biogás, fonte de energia. “Assim, devolveremos aos rios água limpa sem conter mais os nutrientes”, enfatiza o professor Marc.
Negócios verdes - Na UCDB, o projeto do professor Marc é visto com muita expectativa e esperança de futuros benefícios ao meio ambiente. "É um projeto com uma linha prática mais próxima da realidade. Poderá melhorar a vida das pessoas, reduzir a poluição e gerar novos negócios verdes", aponta o engenheiro sanitarista e professor Fernando Magalhaes Filho que ministra aula nas engenharias, além dos programas de mestrado e doutorado.
A produção de biogás em experiências práticas sempre foi uma das metas da UCDB. "Mas, otimizar os processos da tecnologia para condições da nossa região e propiciar o uso inteligente das microalgas, também são pontos de grande impacto!", atesta Fernando Magalhães.
ETE Los Angeles - Encerrada essa fase de testes e observação que ainda deve durar alguns meses na fazenda-escola da UCDB, começará outra de tamanho maior. Os tanques serão instalados no ETE Los Angeles, da Águas Guariroba, onde as microalgas serão usadas para tratar experimentalmente o esgoto urbano de Campo Grande.
A Águas Guariroba informou que atua em parceria com as universidades para ampliar o desenvolvimento de ações técnicas e fortalecer o campo de pesquisa acadêmica em projetos voltados ao saneamento.
"Os projetos acadêmicos contam com o suporte via laboratórios, dados históricos e estruturas da ETE Los Angeles, como forma de auxiliar a pesquisa desenvolvida pelos estudantes, onde está incluído o projeto das microalgas, que são utilizadas para o tratamento experimental do esgoto urbano de Campo Grande", disse a concessionária.
De acordo com a Águas Guariroba, a ETE Los Angeles tem atualmente a capacidade de tratamento de 1080 litros de esgoto por segundo.
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