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Cientistas da Capital criam dispositivo que limpa água e gera energia

Pesquisadores das áreas de Física e Química desenvolvem método inédito e de baixo custo na UFMS

Quarta-feira, 22 Março de 2023 - 07:00 | Valdelice Bonifácio


Cientistas da Capital criam dispositivo que limpa água e gera energia
Katia-Emiko Guima exibe a água contaminada com rodamina-B e limpa após o processo (Foto: Luiz Alberto)

 

Cientistas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande, estão debruçados em estudos promissores com uso de nanomateriais para indução de processos oxidativos. Uma das linhas deste trabalho levou os pesquisadores a desenvolverem um dispositivo que se mostrou capaz de descontaminar água e gerar energia limpa ao mesmo tempo.

O êxito apresentado nesta reportagem, produzida para celebrar o Dia Mundial da Água, é resultado de anos de trabalhos e testes dos pesquisadores das áreas de Física e Química da universidade. O dispositivo miniaturizado capaz da dupla façanha (limpar água e gerar energia) está sendo produzido em impressoras 3D dentro do laboratório do Instituto de Física (Infi) no campus da instituição, na Capital.

A primeira peça foi impressa em 2020. O dispositivo é feito com Plástico Biodegradável (PLA) e cabe na palma da mão, sendo de baixíssimo custo de produção. Ele é de cor branca, permitindo a passagem da luz que garante a foto-eletro-oxidação do poluente com o qual a água estava contaminada.

Cientistas limpam água e geram energia
Dispositivo criado em laboratório (Foto: Luiz Alberto)

A pesquisa teve origem na tese de doutorado em Química da acadêmica Katia-Emiko Guima. A coordenação está a cargo do professor do Instituto de Física (Infi) Cauê Alves Martins, e tem ainda a colaboração do professor do Infi Heberton Wender, líder do grupo Nano&Photon, especialista na síntese e aplicação de materiais fotoativos.

Katia Emiko Guima sempre esteve de olho na questão ambiental, daí querer atuar na linha de pesquisa da sustentabilidade. “É muito satisfatório chegarmos a uma possibilidade de descontaminação da água e ainda produzindo energia limpa”, enaltece a pesquisadora.

Inicialmente, os dispositivos foram projetados para produzir potência em energia a partir de um poluente na presença de luz. Contudo, a experiência se mostrou mais poderosa que o previsto. “O material desenvolvido é tão ativo que a descontaminação se tornou um resultado igualmente relevante”, explica o professor Cauê Alves.

Cientistas limpam água e geram energia
Professores Cauê e Heberton orientam a doutoranda Kátia Emiko (Foto: Luiz Alberto)

A partir daí o experimento seguiu em frente mirando os dois objetivos, limpar a água e gerar energia a partir desse processo de limpeza -- ambos com resultados surpreendentes. Segundo a equipe, pela primeira vez uma alta potência foi alcançada utilizando poluente como combustível em um dispositivo miniaturizado.

Imprimindo ciência – Os dispositivos são produzidos nas impressoras 3D sob os comandos de Katia Emiko. No laboratório do Infi, ela abre o software no computador ao lado da impressora. Escolhe o modelo a ser impresso, aperta o ‘imprimir’ e o dispositivo plástico começa a ser desenhado na mesa de vidro da impressora a uma temperatura de 205ºC graus.

O dispositivo fica pronto em minutos. A pesquisadora aguarda outros minutos para a temperatura baixar, retira a mesa de vidro de dentro da impressora, remove a peça com uma espátula e exibe, enfim, a foto célula a combustível microfluídica (nome científico do dispositivo).

Cientistas limpam água e geram energia
Kátia mostra o dispositivo sendo impresso pela máquina 3D (Foto: Luiz Alberto)

A confecção dessas peças em impressoras 3D é uma iniciativa inédita no planeta. A própria Katia Emiko precisou aprender a desvendar o funcionamento da impressora para colocar o trabalho em prática. “Aprendi na raça, até mesmo pequenas manutenções eu já faço”, conta.

A inovação se tornou ainda mais notória pelo baixíssimo custo (a confecção da peça tem calculo aproximado de US$ 2,50) e produção de elevada potência, a mais alta para qualquer dispositivo microfluídico. “Estamos sempre em busca de soluções baratas e eficientes”, afirma a pesquisadora.

O experimento que está movimentando laboratórios da UFMS já virou notícia em renomadas publicações científicas internacionais, tais como a Lab on Chip  e a American Chemical Society ACS Applied Materials & Interfaces.

Cientistas limpam água e geram energia
No experimento do laboratório, bomba de seringas conduz o líquido até o dispositivo (Foto: Luiz Alberto)

Os testes de laboratório comprovam eficiência do dispositivo. Os pesquisadores usam bombas para conduzir os líquidos até a foto célula. A peça tem dois eletrodos porosos, sobre os quais fluem a solução com o poluente e outra com um oxidante (oxigênio, por exemplo), que se encontram na saída do sistema.

“Na presença de luz, o poluente orgânico é fotoeletro-oxidado no ânodo (um dos eletrodos) e os elétrons são conduzidos até o outro eletrodo (cátodo), de modo que o fluxo de corrente por um circuito externo gera uma diferença de potencial”, informa Cauê.

Os testes apontaram uma produção estável de corrente e potência à medida que a solução é descontaminada. Ainda de acordo com as explicações técnicas do professor, a peça impressa em 3D produz 0.48 mW cm-2 (fluxo magnético), é estável por mais de 5 horas e descontamina mais de 70% a água de um poluente modelo.

Cientistas limpam água e geram energia
Testes com rodomina-B tem comprovado a eficácia do experimento (Foto: Luiz Alberto)

O desempenho na limpeza da água permitiu que o experimento fosse apontado como uma nova alternativa para tratamento de efluentes (resíduos gerados pela ação humana como pesticidas, corantes, fármacos, hormônios e outros), lançados no meio ambiente e que contaminam recursos hídricos.

No laboratório foram feitos vários testes de conversão de rodamina-B (poluente modelo de cor rosa). O composto químico foi fotoeletro-oxidado à medida que o oxigênio é eletroreduzido dentro do dispositivo. Na prova de conceito, um simulador solar é a fonte de luz e uma bomba de seringas conduz os líquidos.

Na avaliação do professor do Infi,  o projeto é inovador tanto na concepção como na aplicação. O material fotossensível usa pequena quantidade de platina, eletrodos porosos para aumentar a eficiência de conversão química, além do dispositivo miniaturizado impresso em 3D na presença de luz.

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Dispositivo miniaturizado impresso em 3D (Foto: Luiz Alberto)

O uso em grande escala ainda não foi testado, mas o professor tem certeza de um futuro promissor para o experimento. “Pode-se construir uma placa com dezenas desses dispositivos, de modo a converter grandes quantidades de poluente em alta potência”, aponta.

Os pesquisadores acreditam que o experimento poderia ser usado, com ótimos resultados, em propriedades rurais, por exemplo. “Imagine colocar reatores nas curvas de nível da agricultura. Bastaria montar a estrutura e conectar a um painel fotovoltaico”, visualiza Cauê Alves.

O professor e sua equipe já conseguiram a garantia de financiamento de uma multinacional fabricante de fertilizantes. Com isso, as pesquisas poderão avançar e testar possibilidades em larga escala. O dispositivo já está patenteado e não tem previsão de chegar ao mercado.

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Kátia preparando novos testes (Foto: Luiz Alberto)

Tratamento de efluentes – Em Campo Grande, a maior parte dos efluentes gerados pelos moradores é retirada da água na Estação de Tratamento de Esgoto, ETE, Los Angeles, para onde é destinado quase 90% do esgoto coletado na Capital.

O local é uma estrutura gigante erguida em uma bela área verde no Jardim Los Angeles. A unidade tem 12 reatores e trata 86 milhões 832 mil litros de esgoto por dia, sendo que sua capacidade máxima é para cerca de 93 milhões.

Cientistas limpam água e geram energia
Renato Ozório Vilela, coordenador do ETE Los Angeles (Foto: Luiz Alberto)

A limpeza da água do esgoto começa no tratamento físico, chamado gradeamento, na qual os resíduos sólidos grandes são retidos por grades, sendo essa a primeira filtragem para facilitar a condução do esgoto por meio de bombas e tubulações.

Depois, o esgoto passa pelo tratamento biológico com bactérias anaeróbias que se alimentam de matéria orgânica. Por fim, chega a fase do tratamento físico-químico com uso de cloreto férrico para dar mais eficiência ao processo de limpeza.

“A água só é lançada no Rio Anhanduí após muitas horas de tratamento e ao atingir o nível de descontaminação exigido em lei. O grau de eficiência dos processos adotados aqui no ETE Los Angeles é de 75%”, detalha o coordenador da unidade Renato Ozório Vilela.
 

Cientistas limpam água e geram energia
Unidade trata 86 milhões 832 mil litros de esgoto por dia (Foto: Luiz Alberto)

A pureza da água, aliás, é monitorada constantemente nos laboratórios do ETE Los Angeles. São vários testes todos dos dias com amostras do esgoto bruto e também fase por fase do tratamento até conclusão da limpeza. O resultado desse monitoramento não fica restrito à Águas Guariroba, sendo encaminhado aos órgãos ambientais.

Conforme os números mais recentes apresentados pela concessionária Águas Guariroba, 82% da Capital já tem acesso à rede de coleta de esgoto. Até 2025, o serviço deve estar disponível para toda a população, segundo meta divulgada pela empresa.

A meta é de que até, no máximo, 2025 o serviço esteja disponível para toda a população.

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No laboratório do ETE, análises diárias monitoram a pureza da água que será devolvida à natureza (Foto: Luiz Alberto)

Descarte errado - Vale mencionar que o esgoto que chega à ETE Los Angeles revela maus hábitos de grande parte da população da Capital no que diz respeito ao uso da rede coletora de esgoto.

O líquido apresenta muito de matéria orgânica, mas também existem outros itens descartados pela população de maneira errada na rede tais como cabelo, óleos, plásticos, preservativos, absorventes, papel higiênico, fio dental, entre outros.

Imagens disponibilizadas pela Águas Guariroba mostram que é grande a quantidade de sujeira verificada na ETE, mesmo o esgoto já tendo passado pelo gradeamento  nas estações elevatória de esgotos, as EEEs, antes de chegar à unidade no Los Angeles.

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Imagens que revelam a realidade do uso do esgoto foram cedidas pela Águas Guariroba

Tecnologia inovadora - A ETE recebei dois novos reatores em 2021. Eles contam com uma tecnologia inovadora, elaborada e projetada pela equipe de engenheiros da concessionária.

Cada reator têm as paredes revestidas por placas de aço vitrificado.  A inovação aumentou a eficiência no tratamento e total vedação durante o processo, garantindo a segurança operacional do sistema de esgotamento sanitário.

O revestimento utilizado nos reatores é de origem austríaca, seguindo os mesmos modelos utilizados em países da Europa. “Foram testados vários materiais durante meses, até que o aço vitrificado austríaco comprovou ser o mais resistente, pois em testes na parte gasosa não teve corrosão”, detalha Renato Ozório.

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Os dois mais novos reatores entregues em 2021 ainda contam com uma tecnologia inovadora (Foto: Luiz Alberto)

 

Microalgas que limpam água do esgoto - O ETE Los Angeles está prestes a receber mais uma inovação vinda do campo da ciência. Trata-se de mais um fruto das pesquisas da UFMS que já está em testes de campo. É um processo biotecnológico que usa microalgas para limpar a água do esgoto e depois ser devolver purificada aos rios.

O projeto está sendo desenvolvido pelo professor Marc Árpád Boncz, da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia (Faeng), da Universidade Federal. O experimento foi reportado em matéria do Diário Digital há exatamente um ano atrás, também como forma de celebrar o Dia Mundial da Água.

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Professor Mark e seu experimento que limpa água do esgoto com uso de microalgas (Foto: Luiz Alberto)

Conforme o estudo, o uso das microalgas é uma biotecnologia muito propícia para estações de esgoto, onde há fartura de CO2 e nutrientes, como potássio, nitrogênio e fósforo, exatamente o que estes organismos precisam para se alimentarem e se desenvolverem.

Os tanques inicialmente montados na Fazenda-Escola UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) serão, em breve, instalados no ETE Los Angeles para a nova fase de testes. “Estamos nos abrindo para mais essa possibilidade de tratamento da água, de forma a melhorar ainda mais a qualidade do líquido antes de lança-lo de volta à natureza, quanto mais limpa melhor para o planeta”, diz Renato Ozório.

Confira a galeria de imagens:

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