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CG 124 anos: Manoel de Barros é eternizado em Museu, Fundação e escultura
Poeta das miudezas, vida e obra de Manoel de Barros são retratadas em pontos da Capital
Quinta-feira, 24 Agosto de 2023 - 07:00 | Victória Bissaco
Campo Grande, é a “terra natal do coração” de muitas pessoas. Acolhedora e encantadora, dona de pores do sol que arrancam suspiros de quem tira “cinco minutinhos” para apreciá-los, a Cidade Morena serviu de lar para Manoel de Barros. Para celebrar os 124 anos da Capital, no dia 26 de Agosto, o Diário Digital produziu uma reportagem especial sobre o poeta das miudezas, que escolheu a cidade como fonte de inspiração e
Nascido em Cuiabá em 1916, Manoel Wenceslau Leite de Barros se mudou para terras sul-mato-grossenses - que sul-mato-grossenses eram na época - ainda criança. no Estado, ficou até o início dos 20 anos, quando deixou Campo Grande para cursar a Faculdade de Direito de Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Antes disso, publicou seu primeiro livro: "Poemas Concebidos Sem Pecados".
Ao deslanchar no mundo da poesia, não parou mais. O poeta acumula premiações como o Prêmio APCA, Prêmio Jabuti e Prêmio Nestlé. Apesar de tudo, era simples, intelectual e queria ser lembrado por sua arte, não premiações. Isso é o que contou o diretor administrativo da Fundação Manoel de Barros (FMB), Marcos Henrique Marques.
A Fundação foi criada 1998 e teve autorização expressa do poeta para utilizar o nome dele. Desde então, presta serviços de promoção do desenvolvimento social e cultural da sociedade, bem como preservação do meio ambiente e aprimoramento científico e tecnológico de todos os segmentos de Mato Grosso do Sul e da Região do Pantanal. “Com o advento da pandemia, nós inserimos, junto ao Ministério Público, a promoção da saúde. Então, temos esses três pilares principais: assistência social; arte e cultura; e saúde”, explica o diretor administrativo.
Um dos atendimentos no novo pilar foi o Ambulatório de Reabilitação, noticiado em fevereiro de 2022 pelo DD. Na reportagem da época, a idosa Antônia Rolon Velasque, de 77 anos, comemorou as melhoras de sequelas deixadas pela Covid-19. “Quando cheguei aqui, eu tinha muita fraqueza, não parava nem sentada. Não tinha apetite, não dormia direito, sabe? Mas agora eu estou bem, como bem, saí até da cadeira de rodas”.
Poesia é voar fora da asa
Os projetos da organização da sociedade civil atendem diretamente três grandes públicos: idosos, com o Projeto Ativa Idade; estudantes do ensino médio, por meio do Jovem em Ação; e mulheres de baixa renda, com o Projeto Em Busca do Saber. Além destes, a FMB atende outras organizações sociais voltadas para pessoas em vulnerabilidade socioeconômica por meio do Programa Eu Alimento.
O diretor administrativo, Marcos Henrique Marques explica que os projetos são gratuitos e abertos à população.
Um grande nome da Fundação Manoel de Barros é o Concurso de Redação "Um Passeio com Manoel". Por meio dele, estudantes do último ano do Ensino Médio da Rede Estadual de Ensino (REE) escrevem redações embasadas na linguagem do poeta. O Concurso busca estimular o interesse à prática da escrita com intuito de desenvolver habilidades de redigir e promover o interesse pela leitura dos estudantes.
O poeta tomou conhecido da ação ainda vivo. A primeira edição, realizada em 2012, foi lançada com ajustes do próprio Manoel de Barros. “Levamos essa ideia para o poeta. Ele veio com alguns ajustes, algumas ideias, e começamos a trabalhá-las em 2013, onde ele também teve alguns ajustes”, explica Marcos Henrique Marques. Apesar do lançamento há mais de 10 anos, o Concurso ficou alguns anos interrompido, e retornou apenas em 2018. Atualmente, está na sua 7ª edição.
Ao todo, foram mais de 15 mil redações entregues desde 2012, com a concessão de bolsas de estudos de 50% à 100% na Universidade Anhanguera-Uniderp para o curso de escolha dos ganhadores. Cada concurso seleciona os melhores 40 trabalhos. Desse grupo seleto, três são escolhidos para serem premiados com as bolsas de estudo. O 1º lugar, 100% da mensalidade coberta; o segundo, 70%; e o terceiro, 50%. “Temos observado resultados fantásticos. O objetivo é mostrar para esses jovens que é possível ele conquistar o espaço naquela área que ele escolheu para a vida dele”, ressalta.
A primeira estudante a ser premiada pelo Concurso foi Ennesli Granjeiro. Com a bolsa prêmio, formou-se em Direito. Hoje, cerca de uma década mais experiente, descreve o impacto positivo que a ação teve em sua vida. “Ter participado do concurso foi definitivo para a minha vida profissional. Acredito que oportunidades surgem para mudar caminhos e a Fundação Manoel de Barros, tem esse papel na minha vida, divisor de águas. Passear com Manoel me permitiu um mundo com mais possibilidades. Eu pude estar em uma universidade e ter meu diploma que hoje é base do meu profissional”.
Ennesli Granjeiro relembra que o primeiro contato com as obras de Manoel de Barros foram ainda na infância. O Concurso, então, foi uma das formas de mostrar seu amor pela poesia e expressão artística. A redação ganhadora foi intitulada "A você que desperta sonhos”.
A bacharel em Direto viu o concurso como uma oportunidade, e aconselha os estudantes a não desperdiçá-la. “Percebo hoje, que muitas vezes o que falta é uma oportunidade e esta gera vários resultados se a pessoa estiver disposta a agarra-la. Este concurso é um divisor de água para mim, a primeira vencedora e para todos os outros que vieram. […] Meu conselho é que entendam a oportunidade e que façam dela um nova história. Arrisquem-se, acreditem, sonhem, revolucionem”.
ReCANTO de Manoel
Não só a Fundação promove um “canto” do poeta, por meio de atividades artísticas e culturais, na Capital sul-mato-grossense. A Casa Quintal Manoel de Barros entrega a vivência e intimidade do poeta. É propriamente a residência onde o artista passou os últimos anos de vida ao lado da esposa, Stella dos Santos Cruz, com quem teve três filhos.
A casa da rua Piratininga, número 363, no bairro Jardim dos Estados, foi construída em 1986 “do jeitinho que o poeta queria”. Uma das características da frente da Casa são os tijolos em pé. Inclusive, foi a primeira residência de Campo Grande a ser construída dessa maneira. As visitas ao local são agendadas e dão acesso a intimidades do poeta, como o sofá abaixado pelo uso constante, a marca do copo de uísque do qual o poeta diariamente tomava que estampa o criado-mudo ao lado do sofá, ou até mesmo escritório de Manoel, apelidado por ele de "Lugar de Ser Inútil".
Como museu, foi aberta ao público em 25 de setembro de 2022, por vontade do neto de Manoel, Silvestre de Barros. A criação do novo espaço cultural em Campo Grande voltado à memória e a invenção poética é fruto de um movimento que aglutina artistas e produtores do estado e de todo o país. O jornalista Ricardo Pieretti Câmara é um dos organizadores da Casa-Quintal e explica que o local é um misto de experiências aos visitantes. “A casa está íntegra, como o poeta e a sua esposa Stella viviam, e foi feita uma narrativa com áudio visual para que as pessoas também tenham uma imersão no universo do poeta Manuel de Barros”.
A ideia da Casa-Quintal inicia no seio da família Barros. O herdeiro do local e neto do poeta convidou os jornalistas Ricardo e Pedro Espíndola para idealizarem uma forma de abrir ao público esse tesouro que é a casa do poeta. Nesse período, familiares têm visitado a casa.
A imersão na Casa-Quintal começa ainda na garagem, com uma linha-do-tempo gravada na parede próxima à porta de entrada. Ao adentrar o imóvel, uma sala de estar à esquerda revela o sofá citado acima, bem como livros da coleção do poeta, fotos pessoais de Manoel de Barros e mais itens que personalizam o poeta. De volta ao hall, avistamos ao fundo do cômodo a máquina de escrever assinada por Manoel.
Para o jornalista, a Casa-Quintal é um espaço de preservação da memória do poeta, assim como um acervo de pesquisa gigantesco. “A casa, por si só, pelo simbolismo que ela representa, é um tesouro da cultura sumatogrossense, e ali pode -se encontrar itens da vida cotidiana do poeta Manoel de Barros e, assim, entender como ele escrevia, como ele vivenciava o dia a dia. Também um lugar para pesquisa, pois nós temos toda a obra do Manoel e livros que falam sobre a obra do Manoel”, conta.
Os visitantes podem, ainda, ter experiências audiovisuais inéditas em dois cômodos - um deles, o quarto de Manoel e Stella. Após as paredes do recinto do casal serem tomadas por vídeos e leituras do poeta, a imersão dá acesso ao “Quintal maior do mundo”. Ali, Manoel e a amada passavam os finais de tarde, tomando banho de sol nos pés e cuidando das plantas."
No cômodo de cima da casa, a curadoria separou um cômodo especial para descrever a luta de Manoel de Barros contra a ditadura, bem como deixa aberto a porta do escritório do poeta, que não gostava nem que respirassem no andar de cima quando adentrava o refúgio dele. O “Lugar de Ser Inútil”, no entanto, não pode ser adentrado pelos visitantes.
Entre os artistas que aderiram a recriação da residência em “Casa-Quintal Manoel de Barros” estão os escritores Raduan Nassar, Mia Couto, Eucanaã Ferraz, Sérgio Medeiros, Adalberto Müller, os cantores e compositores, Ney Matogrosso, Tetê Espíndola, Adriana Calcanhoto, Alzira Espíndola, Egberto Gismonti, João Guilherme Ripper e as atrizes e poetas, Bruna Lombardi, Elisa Lucinda, Gleycielli Nonato Guató.
Em bronze
Outro ponto da Capital Morena que relembra a memória do poeta é a avenida Afonso Pena. A estátua em bronze feita em homenagem ao poeta está localizada no canteiro central da via, no cruzamento com a Rua Rui Barbosa. O escultor por trás da obra é o campo-grandense Ique Woitschach, que contou ao Diário Digital desde o processo de criação da homenagem aos planos de restauração.
Ique Woitschach explica que apresentou o projeto de criação da estátua à Prefeitura de Campo Grande ainda na década de 2000. No entanto, a decisão do Executivo Municipal foi de eleger outro artista e criar a Praça das Onças. Frustrado, mas não vencido, o escultor reapresentou a ideia ao Governo do Estado. “Procurei o governador, com ajuda do Paulinho Simões, e ele me recebeu. Apresentei o projeto que eu achava que era de extrema importância: fazer uma homenagem à altura do Manuel de Barros enquanto ele estivesse vivo”, relembra.
Mais uma vez Ique Woitschach não obteve êxito nem apoio para a criação da estátua em homenagem ao poeta. Pouco tempo depois, Manoel de Barros faleceu, aos 97 anos. Foi quando o poeta estava prestes a completar 100 anos que o escultou foi procurado pelo Governo para retomar o projeto e dar vida à escultura. Então, em dezembro de 2017, que Ique finalmente inaugura a obra, com 1,38 metros e 400 quilos de bronze.
A escultura foi inspirada nas próprias obras de Manoel, conforme explica Ique Woitschach. O escultor cita que pretendeu destacar a obra regional do poeta, pois acredita que a população tem o costume de valorizar obras de outros estado em detrimento das sul-mato-grossenses. “Diante de um monstro como o Manuel de Barros, eu precisava fazer uma homenagem e a minha preocupação maior era, na verdade, imortalizar a figura dele, porque ele só foi reconhecido já bem idoso. […] Eu me sentia na obrigação de criar uma obra que imortalizasse, que visualmente lembrasse da existência dele”.
Na Afonso Pena, Manoel de Barros vive sentado e recebe quem queira trocar uma palavra com a estátua. O poeta das miudezas foi muito conhecido em vida pelo acolhimento. Em casa, recebia no sofá abaixado diversas pessoas. Isso, inclusive foi ressaltado por Woitschach. Junto a essa curiosidade, acredita que colocá-lo justamente nessa posição é conectar a sociedade à arte.
Amputaram a cultura
Amputaram o pé, amputaram a cultura. Foi dessa forma que Ique Woitschach anunciou nas redes sociais o vandalismo que a estátua do poeta sofreu em abril de 2021, quando teve um dos pés arrancados e a testa rabiscada.
“O pé foi arrancado, ele não foi serrado nem cortado. Quem o tirou sabia o que estava fazendo, porque ele foi forçado, recebeu uma força mecânica muito maior do que a peça poderia aguentar. Eu acho que a intenção de quem arrancou o pé era tirar a escultura inteira dali. Eu não acredito em vandalismo de quem está passando fome, tirou para vender. Foi uma ação planejada”, desabafa.
Cerca de dois meses depois, em junho do mesmo ano, o escultor visitou a obra para ponderar, junto à Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS), as possibilidades de restauração. No entanto, o plano não foi para frente. Se fosse por Woitschach, Manoel teria sido revitalizado há muito tempo, desde os óculos e o sofá até o pé arrancado. “A minha decisão sempre foi de restaurar o quanto antes. Eu estou à disposição da Fundação de Cultura desde então. Agora, a decisão da Fundação tem que ser perguntada para a Fundação. Mas eu acredito que eles também queiram fazer essa restauração”, comenta.
Em abril de 2021, a Fundação de Cultura manifestou interesse na restauração. Na época, o então diretor-presidente, Gustavo Castelo afirmou que a entidade do Governo do Estado daria início à "abertura de procedimento interno para a restauração da estátua”. Isso, há dois anos.
Para produção desse especial, a reportagem tentou múltiplos contatos com a FCMS para esclarecer a situação da restauração de Manoel de Barros. Todas foram falhas. O silêncio da Fundação prevalece.
Infinito
No poema “O menino que carregava água na peneira”, Manoel de Barros cita que o menino enxergava vazios como maiores e infinitos. Em um contexto diferente e interpretação livre da repórter, transcrevo que infinito é o vazio que o poeta deixou após seu falecimento, assim como é infinito sua grandiosidade e obras, que reverberam na pós-modernidade da vida campo-grandense.
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