Arte feita com cinzas do Pantanal homenageia brigadistas anônimos

Uma arte que surgiu das cinzas das florestas brasileiras (incluindo o Pantanal) está recebendo os últimos acabamentos nas paredes de um prédio residencial, no Bairro Aero Rancho, em Campo Grande (MS). O artista Victor Macaulin pintou dois painéis em homenagem aos brigadistas que trabalham no combate ao fogo no Pantanal.

O trabalho que começou na terça-feira passada, dia 2, está quase pronto. O mural foi pintado em vários tons da cor cinza e remetem ao cenário de destruição do importante bioma, mas também destacam o trabalho de heróis ocultos, como Dona Maria, indígena Terena que combate o fogo como brigadista voluntária.

A pintura realmente é feita com cinzas das queimadas de florestas brasileiras. Elas são misturadas ao verniz acrílico incolor (à base de água) e a própria água. "Eu trabalho com o mesmo conceito da aquarela, vou misturando as cinzas e tintas resultantes deles de modo a obter várias tonalidades", explica o artista.

O resultado é uma pintura tocante aos sentidos visuais. Os brigadistas são as figuras principais em um cenário de destruição e animais mortos. O cenário de caos provoca a reflexão, mesmo em quem não estava aberto à tal possibilidade, tamanho o realismo da pintura.

O trabalho de Victor Macaulin é a primeira obra da nova edição de um projeto com origens em São Paulo, o Festival Paredes Vivas. Batizada de Cinzas da Floresta, essa nova edição dá continuidade à iniciativa cultural para incentivar a conscientização socioambiental, tendo a arte urbana como principal ferramenta, a partir da pintura de empenas de prédios em cidades do Brasil.

O projeto seleciona os artistas visuais e depois oferece toda a estrutura de trabalho, como passarelas e equipamentos de segurança, por exemplo. As cinzas também são entregues pelo projeto. O material justamente é coletado nas florestas queimadas por brigadistas parceiros do Paredes Vivas.

Vale mencionar que para chegar à condição de tintas, as cinzas florestais são peneiradas em um processo que cria tonalidades como uma grande aquarela, com graus de diluição variados para contornos e cheios.    

O artista que também gosta de ser chamado de artivista já tinha feito trabalho com cinzas de florestas, em 2021, mas nequela ocasião a pintura foi feita em papel. Victor ficou muito satisfeito em expor a arte 'na rua', em local aberto, à vista de todos. "Os painéis estão à disposição de toda comunidade. Quem mora no residencial vai ver, quer passar pela avenida também vai enxergar. É uma arte democratizada ao alcance de todos", enaltece.

A escolha do tema a ser pintado, brigadistas florestais, também encantou o artivista. "É uma conscientização muito importante. Se no Pantanal, tem quem põe fogo. existem os heróis ocultos que trabalham para proteger. Fiquei muito feliz em retratar a dona Maria e mostrar o quanto a população indígena está na linha de frente", analisa.

São dois murais de tamanhos idênticos 13 m de altura por 3,40 m de largura, inteiramente cobertos pela arte na cor cinza. Para finalizar, Victor e os dois ajudantes Alberto Perez e Thallitha Leal cuidam do acabamento. Até domingo, eles irão passar o verniz finalizando a obra.

Conforme Victor, a pintura tem longa durabilidade, pois em razão da matéria prima e técnica usada, além do verniz, a cor não sofrerá alterações com o passar dos anos. o artista é natural de Campo Grande e formado em artes visuais pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).

A pintura está localizada no prédio do bloco 14 residencial CH07, na Avenida Vereador Thyrson de Almeida, no Aero Rancho, onde alías, foi muito bem recebida pela comunidade.  

"Nós fizemos uma consulta aos moradores para saber se aceitariam a obra. A resposta foi positiva", comenta o síndico do residencial Leandro Pacheco Miranda. No residencial de interesse social inaugurado há três anos, vivem cerca de 220 famílias.

Pantanal em chamas -  Em chamas, o Pantanal registra uma queimada a cada 15 minutos e vive atualmente o que pode se tornar a crise de seca mais grave de sua história. Até a última sexta-feira (28/6), 2.632 queimadas foram registradas.

Com isto, o primeiro semestre já é o com maior número de focos de calor desde que o monitoramento foi iniciado, em 1998, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O acumulado de 1º de janeiro até 28 de junho é de 3.531 queimadas. Já são quase 700 mil hectares destruídos em 2024, quase 5% de todo o bioma.

"O Brasil está em chamas e as brigadas florestais voluntárias são essenciais no combate a esses incêndios, principalmente no contexto de mudanças climáticas e descontrole de queimadas, muitas delas causadas de forma criminosa", afirma o grafiteiro Mundano, fundador da Parede Viva e um dos idealizadores do projeto Cinzas da Floresta.

"O Mundano sempre usou a arte como ativismo, ou artivismo, como o mesmo chama. Em um dos grandes incêndios que aconteceram em 2020 na região do Pantanal, notou que uma forma de colaborar com a causa seria dar visibilidade ao tema por meio da arte. Assim nasce o projeto, com o intuito de denunciar esses índices alarmantes que, apesar da urgência, acabam sendo mais um número, com os dados virando paisagem. Agora, essas empenas é que passam a fazer parte da paisagem das cidades, sendo vistas por uma quantidade incontável de pessoas que circulam pelas ruas", completa Roberta Youssef,  coordenadora do Festival.

Artivismo - A primeira edição do Festival Paredes Vivas, realizada em 2021, aconteceu em cidades do estado de São Paulo: Piracicaba, com os artistas Sarah Soares e Diógenes Moura; Jundiaí, Bianca Foratori; Cotia, com Tamikuã Txihi, e São Paulo, com Adriano Vespa.

Já o projeto Cinzas da Floresta, além do mural de Mundano, conta hoje com mais de 200 obras criadas por 152 artistas de 11 estados brasileiros, com o excedente da tinta da primeira viagem, e que deu origem à uma exposição em 2022. As obras foram vendidas e o valor arrecadado doado à RNBV.