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Água nas torneiras e novos sonhos no coração
Chegada da rede de água e esgoto trouxe perspectivas de prosperidade para comunidade que nasceu em área de ocupação
Terça-feira, 22 Outubro de 2024 - 13:00 | Valdelice Bonifácio
Ela não tem cor, sabor ou cheiro, mas é capaz de grandes transformações. Que o digam os moradores da comunidade Homex, localizada na região do Jardim Centro-Oeste, em Campo Grande (MS). Desde que a água tratada chegou às torneiras, eles renovaram suas perspectivas e estão cheios de planos para melhorar a vida. As famílias esperaram a implantação das redes de abastecimento de água e coleta de esgoto por mais de 10 anos e, enfim, em Junho deste ano, presenciaram o início deste novo tempo.
Agora, Leodomar Rodrigues, o presidente da Associação dos Moradores, sorri diante do jato de água nos fundos da casa, na Rua José Pedrossian. "Estávamos lutando por água e energia elétrica desde que chegamos aqui. Foi uma década enchendo bacias e baldes e puxando fiações de energia elétrica que chegava fraca e não ligava aparelho algum", relembra o líder comunitário que assim como os demais ocupantes da área sobreviveu há muitos dias e noites de perrengues.
O pouco de água e energia que chegava às moradias era por meio das ligações clandestinas, as chamadas 'gambiarras' ou 'gatos'. Algumas famílias furavam poços nos terrenos de casa e nem sempre conseguiam a profundidade necessária para obter água limpa o suficiente para beber ou preparar os alimentos. A energia, puxada de uma rede de 127 volts, não chegava nem a 80 volts nas casas, não sendo possível colocar a geladeira para funcionar, por exemplo.
A explicação para a demora em assistir às famílias com algo tão básico como água e energia demandaria longa explicação. Porém, resumindo, a história desta comunidade começa com a derrapada da construtora mexicana Homex que ganhou as terras do município para construir unidades habitacionais populares, mas, não conseguiu concluir o empreendimento e, em 2013, abandonou o canteiro de obras. Pouco depois, a área era endereço de grande ocupação, com barracos a perder de vista. Moradias inacabadas da empresa também foram invadidas.
Na época, o Diário Digital percorreu os terrenos e entrevistou os ocupantes. O argumento era quase sempre o mesmo. A ocupação era apontada como uma alternativa para escapar do aluguel, que muitos alegavam não poder pagar. Outros reclamavam de estar na fila dos programas habitacionais há anos, sem nunca terem sido contemplados com uma moradia popular. Havia entre eles, inclusive, pessoas que vieram de outros estados, como o Ceará, em busca de trabalho na Capital, mas que acabaram sem emprego e perspectivas.
Passada uma década, cerca de 1,5 mil famílias permaneceram na área. Os barracos de lona foram substituídos por moradias improvisadas em madeira ou alvenaria. "Muitos não quiseram esperar e foram embora. Houve quem vendesse o pedaço de chão ocupado a preço de banana para terceiros. Ocupação é sempre muito sofrido, mas quem ficou é porque enxergou aqui uma oportunidade para um recomeço de vida", menciona Leodomar. Ele próprio era um trabalhador assalariado (R$ 980,00 na época), quando decidiu montar seu barraco no local.
De ocupante, Leodomar passou a ser uma liderança na comunidade sempre à disposição de quem precisasse de ajuda. Ele auxiliava na acomodação de novos moradores e até se acidentou ao puxar um fio de energia elétrica para uma família recém-chegada. "Levei uma forte descarga elétrica e caí do poste. O médico disse que eu passaria meses em uma cadeira de rodas, mas o fato é que pouco depois já estava em atividade de novo e assim estou até hoje", relata.
Enquanto trabalhava pela comunidade, o presidente da associação lutava pela regularização do fornecimento de água e energia. "Nós batíamos em tantas portas e não éramos ouvidos. O Poder Público estava perdido em meio à briga judicial com a Homex que reivindicava a área e exigia a nossa saída. A comunidade tinha muito medo de um despejo", relembra. A situação somente começou a dar sinais de mudança em Julho de 2022 quando a Justiça autorizou o município a permutar uma área com a Homex, sendo possível compensá-la pelas terras perdidas com a ocupação.
No ano seguinte, a prefeitura iniciou o processo de regularização fundiária das famílias. Os trabalhos estão em andamento e não escapam de polêmicas. O município atua para evitar novas ocupações. Neste ano, a prefeitura derrubou barracos que estavam sendo erguidos em nova tentativa de ocupação dos terrenos. Em Junho, foi divulgada a lista atualizada de moradores cadastrados na Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários (AMHAF) e que serão beneficiados com a documentação. São cerca de 1,5 mil CPFs.
"Nós acompanhávamos tudo com muita apreensão. No começo deste ano de 2024, ficamos sabendo que estavam sendo executadas obras de melhorias de esgoto em bairros próximos como Dom Antônio e Jardim das Meninas. Isso acendeu a nossa esperança. Estava tão perto. Era o momento certo de chegar aqui também", afirma. A intuição de Leodomar estava certa. Era o momento. No dia 18 de Março de 2024, as obras para implantação das redes de água tratada e esgoto começaram na comunidade e duraram menos de três meses.
A inauguração das obras foi realizada em solenidade no dia 3 de Junho. A concessionária Águas Guariroba anunciou que o serviço foi feito em tempo recorde. Foram implantados pouco mais de 14 quilômetros de rede de esgoto e cerca de 15 quilômetros de rede de água. Conforme a empresa, o trabalho está 100% pronto. "Não há ligações a serem feitas. Toda a comunidade foi contemplada com água e esgoto. As ligações beneficiaram mais de 5 mil pessoas", respondeu a concessionária ao Diário Digital.
Águas de um novo tempo - Agora que tem o essencial, Leodomar Rodrigues está otimista e ampliando seu mercadinho tocado em família. Com água e energia, ele pode organizar seu pequeno negócio e progredir, aliás, como planejam muitos moradores da comunidade que gostam de "trabalhar por conta" como eles mesmos definem.
O presidente da associação dos moradores passou muitos anos retirando água do poço, de 22 metros de profundidade, que tem nos fundos de casa. O poço continua ativo, mas nada se compara ao conforto de abrir as torneiras e a água estar lá à disposição para os trabalhos da residência e do mercadinho que agora ganha nova vida.
"Agora, a gente nem precisa mais ficar fervendo ou filtrando. Abro a torneira e tenho a água de que preciso prontinha", festeja.
No caso de Leodomar não foi só o lado comerciante que melhorou, seu trabalho comunitário também ficou mais fácil. "Antes, com a escassez de água, era difícil reunir as crianças para atividades, por exemplo. Agora, isso mudou. A gente pode oferecer mais conforto", detalha. No fim de semana passado, por exemplo, ele organizou uma tarde de muita diversão para a meninada.
Abaixo, vídeo da atividade:
Comerciante não quer lembrar do passado - Outro pequeno comerciante que também esperou muito pela água encanada é Antônio de Jesus Santos, de 50 anos. O morador construiu um pequeno estabelecimento em uma das esquinas da Rua José Pedrossian. O Bar do Toninho foi edificado assim que chegou na comunidade, há sete anos, mas somente agora começou a funcionar do jeito que ele sonhou.
"Era bem difícil. Sufocante e quente. Não tinha como fazer muita coisa. Eu só contava com a água do poço e não tinha energia, de modo que eu só vendia bebidas quentes. Agora, posso vender refrigerantes, tenho água abundante para limpeza e para servir aos clientes. Agora, estou mudando muita coisa por aqui", revela.
Antônio nem gosta de se lembrar das dificuldades que passava devido à falta da rede de esgoto. "Antes, bastava chover e as fossas transbordavam. É um tempo que felizmente ficou lá atrás. Agora, só olho para esse futuro que se abriu", afirma.
Mais do que vizinhos e amigos, Leodomar e Antônio são testemunhas de um tempo cheio de privações e provações nas comunidades. Ambos viveram a época em que era preciso percorrer várias quadras para encher bacias e baldes de água.
Na esquina das ruas Catigua e Francisco Morato existe uma pequena estação elevatória de esgoto construída pela Águas Guariroba na época das obras da Homex. Mesmo após a saída da construtora do campo de obras, a estação nas proximidades do empreendimento continuou ativa. Ela se tornou um ponto de coleta de água para os ocupantes da área.
O líder comunitário levou o Diário Digital ao local. Atualmente, a estação está cercada e não tem mais a antiga torneira da qual a população retirava água. "Todas as tardes, as pessoas se aglomeravam aqui para encher seus recipientes de água e depois voltavam carregando para suas moradias. Era uma cena surreal numa época em que se fala tanto da importância do acesso à agua", afirma.
Vivendo a transformação - Quem também quer aproveitar esse novo tempo, com água encanada, esgoto e energia elétrica, para expandir o próprio negócio é Tânia Matos Moraes, de 37 anos. No portão da casa, ela colocou a placa na qual informa que aceita encomendas. Ela faz salgados e bolos para vender e ainda é cuidadora de crianças. Mãe de quatro filhos e avó de um neto, Tânia Matos trabalha duro pela sobrevivência da família e testemunha que as coisas estão mudando para melhor na comunidade.
"A chegada da água encanada e do esgoto realmente está mudando as nossas vidas. Agora, podemos seguir com nossos planos. Antes, a gente ficava esperando o pinga-pinga de água para fazer as coisas e agora é tão diferente. Posso pegar todas as encomendas que surgirem. Posso receber crianças com mais conforto. Vivemos uma transformação", enaltece.
Da mesma forma que muitos moradores da comunidade, Tânia Matos também tinha o quintal cheio de fossas. "O banheiro era um buracão, nem consigo falar (risos). Nossa vida era um Deus nos acuda. Saía até coró daquelas fossas", relembra a mulher.
Bem disposta diante das novidades, a moradora também pretende trabalhar no turno da noite. Ela adquiriu um carrinho de cachorro quente e planeja em breve colocá-lo na frente de casa para vender os lanches. "Agora que tem luz na comunidade, posso usar também esse turno", observa.
Universalizado - Conforme a Águas Guariroba, toda a comunidade foi contemplada com água e esgoto. Os trabalhos estão finalizados no local. Ainda de acordo com a concessionária, todas as ligações se enquadraram na Tarifa Social. O benefício concede um desconto de 50% na fatura com até 20 m³.
Além de água e esgoto, a concessionária também levou à comunidade neste ano, pela primeira vez, um importante projeto social, o Bolha de Sabão, que percorre a Capital em busca de incentivar o reuso sustentável do óleo de cozinha. O projeto ensina a produzir sabão e outros produtos de limpeza, sendo uma oportunidade de capacitação para geração de renda extra dos participantes.
Na oficina realizada em Junho, dias após a inauguração da rede de água e esgoto, na Escola Municipal Professora Maria Regina de Vasconcelos Galvão, mais de 50 pessoas participaram. “O projeto Bolha de Sabão resultou a partir de outro programa da Águas Guariroba que é o De Olho no Óleo, que em 10 anos evitou que mais de 60 mil litros de óleo fossem descartados na rede de esgoto”, detalhou Bia Rodrigues, coordenadora de Responsabilidade Social da Águas Guariroba.
Além da Homex, a Águas Guariroba anunciou que neste ano de 2024 conseguiu universalizar o acesso à coleta e tratamento de esgoto em outras três comunidades, Coophavila 2, Seminário e comunidade Tia Eva. Para isso, foram construídos 190 quilômetros de rede.
"O avanço da rede de esgoto transforma a vida das famílias em diversos pontos. Leva dignidade e saúde, pois deixam de utilizar fossas sépticas, o que também gera uma economia, sem a necessidade de contratarem uma limpeza dessas fossas. Leva desenvolvimento, com os imóveis se valorizando por causa da infraestrutura, analisa o diretor-presidente da Águas Guariroba, Gabriel Buim.
Assim, conforme a concessionária, foram mais de 60 mil pessoas conectadas à rede de esgoto só em 2024. Atualmente, estão sendo executadas obras no São Conrado, Núcleo Industrial, Jardim Noroeste, Jardim Aeroporto, Centenário, Jardim Mansur e Ramez Tebet.
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